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UM POUCO DE HISTÓRIA
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Acossado, 1959

O que foi a Nouvelle Vague? Parte da crítica especializada diz coisas como: “ foi uma eclosão de talentos díspares, detonada por cineastas dotados de estilos particulares,... a alteração no sistema de produção, o tratamento de temas considerados tabus, a experimentação na linguagem cinematográfica, o enfoque do homem contemporâneo, etc”. Ou então: “que o movimento rompeu a relação dramática entre os personagens e o herói, isto é, não existe mais o herói em oposição ao vilão, o homem encaixa-se num quadro existencial em que o bem e o mal são ficções puramente lógicas”.
Os poetas disseram que o movimento foi um sopro renovador que atingiu o cinema na década de 50 e que influiu em toda uma geração de cineastas da década de 60 e na década seguinte, e ainda depois disso fazia-se sentir, a sua passagem pelo mundo afora.
Na verdade, são muitas as definições teóricas e filosóficas para explicar e justificar este importante movimento francês da década de 50. Também são muitos os críticos que sempre viram com o nariz torcido esta rebeldia vinda da França, onde, na opinião deles, todos os envolvidos eram esnobes e não faziam cinema de verdade, apenas voltavam às câmeras para seus próprios umbigos.
Não tenho competência para julgar as opiniões nem de um lado nem do outro. Mas como este blog busca na história os momentos mais significativos do cinema, apenas me esforço, na minha mais profunda ignorância, para repassar um pouco do que foi o movimento. Mesmo porque, ao final das contas, o que importa aqui são os produtos desta experiência, isto é, os filmes que ficaram como herança para todos nós.
No entanto, alguma coisa precisa ser dito, afinal alguém não pode falar sobre alguma coisa e não se expressar nada a respeito. Sendo assim, nas linhas abaixo tento repassar o produto de estudo sobre o assunto que consegui absorver.
Poderia resumir o texto repassando o que normalmente se escreve sobre o assunto, da seguinte forma: "A Nouvelle Vague concilia o neo-realismo italiano, a teoria baziniana e o cinema norte-americano; cria um sistema de estrelas modestas, valoriza o acaso filmando nas ruas por razões tanto estéticas e econômicas, produz o arquétipo da personagem errante sempre em movimento, dá muito valor ao diálogo e narração fazendo referência a literatura constantemente, valoriza o ponto de vista do autor, preocupa-se em retratar a nova sociedade francesa e a imagem do corpo com naturalidade. A base deste cinema, por fim, pode ser resumida na idéia da liberdade".
Mas, no entanto, preferimos falar um pouco mais sobre este tema tão cativante e ao mesmo tempo tão contraditório entre a crítica especializada.
Usando como base um artigo de François Truffaut, um dos fundadores do movimento e um de seus cineastas de maior importância, podemos dizer que o movimento surgiu pela necessidade dos realizadores iniciantes (autodenominados cinéfilos de carteirinha) de contrapor a falta de oportunidades que o cinema clássico dos estúdios franceses oferecia àqueles que desejavam expressar a sua arte. Desta forma, pela falta de apoio financeiro aos novos realizadores, o movimento surgido por estes cineastas (na verdade, a expressão Nouvelle Vague somente ficou conhecida quando em 1958 foi lançada por Françoise Giroud, na revista L’Express, ao fazer referência a novos cineastas franceses.) viu-se com a exigência de uma solução econômica que lhes desse suporte para as suas obras. Então, contrapondo aos produtores que sempre davam a direção de “suas” obras aos cineastas mais experientes, em detrenimento dos novos realizadores, os críticos da revista Cahiers Du Cinéma, e entre eles, Truffautt, Godard, Rivette e Chabrol, investiram contra o sistema com seus parcos recursos: conseguidos de seus próprios bolsos e também de suas famílias, amigos, simpatizantes e a criação de cooperativas! Desta forma, o movimento começa, desde o seu início, a ser uma realidade sólida, e não apenas um grupo de arrogantes críticos, como muitos diziam. Diante disso, a falta de melhor condição econômica, os primeiros filmes, principalmente, eram caracterizados pela juventude dos seus autores, unidos por uma vontade comum de transgredir as regras normalmente aceitas para o cinema mais comercial. E esta unidade faziam com que cada um colaborasse com o outro, de uma forma ou outra, e inclusive, como ator. E então, penso eu, de forma natural se desenvolveu e consolidou-se uma nova forma de fazer cinema: um cinema sem heróis, em oposição ao herói clássico, ou mesmo o anti-herói. Surgia um cinema o qual não existia um argumento tradicional, clássico, uma progressão dramática natural, quando se expunha uma situação, depois desenvolvia uma intriga, chegava-se ao clímax e finalmente o desenlace final do drama, de maneira alguma; as emoções e os motivos das ações ocorriam de forma que explicitavam as contrariedades e ambiguidades de suas existências. As características mais marcantes deste novo estilo era a intransigência com os moldes narrativos do cinema estabelecido, através do amoralismo, próprio desta geração, presente nos diálogos e numa montagem inesperada, original, sem concessões à linearidade narrativa. Os novos autores desta nova forma de filmar detestavam muitos dos grandes sucessos caseiros do cinema francês. Então voltaram suas atenções as obras de Jean Delannoy, Christian-Jacque e Gilles Grangier; ao mesmo tempo que enalteciam (críticos que eram) os mestres franceses em “exílio” nos EUA e que eram grandes realizadores do Film Noir americano. Entre eles, monstros consagrados como Jean Renoir, Robert Bresson e Jean Vigo.
Mas o movimento não era só isso, já que os seus fundadores, que antes viviam apenas da teoria da Sétima Arte, agora realizadores, queriam defender um Cinema de Autor, defendendo a importãncia decisiva do realizador na autoria de seus filmes. Por isso, que Sir Alfred Hitchcock, foi altamente reverenciado pelo movimento, principalmente por François Truffaut, que via com muito respeito a luta do diretor inglês para ser “dono” de suas próprias obras, isto em pleno solo americano e enfrentando gigantes dos grandes estúdios de Hollywood. No entanto, com o passar do tempo, e algumas obras-primas realizadas, o movimento começou a ter um lento e natural esfriamento. Não existia mais a energia da juventude, cada um seguiu seu próprio caminho e sua forma própria de fazer cinema. Apenas Godard, como uma brasa teimosa, continuou acesa e fiel a filosofia inicial, e a fazer o seu cinema difícil e muitas vezes pretensioso, experimental até à exaustão: sempre tocando nos limites do que é o cinema. Truffaut seguiu pelo caminho de um classicismo que lhe grangeiou uma grande quantidade de admiradores e alguns clássicos memoráveis do cinema. E assim, cada um, dos outroras jovens rebeldes franceses, seguiram um caminho próprio e alguns, como Roger Vadim, rapidamente passou de "autor de cinema" para diretor de filmes mais comerciais, ao revés das normas estabelecidas pelo estilo. Do mesmo é acusado Claude Chabrol, autor de obras importantes como "Um Vinho Difícil" ou "Entre Primos”.
Porém, independente, da temporalidade do movimento, a sua influência alcançou toda cinematografia mundial. Nos EUA surgiu a “nova Hollywood” com autores como Robert Altman, Francis Ford Coppola, Brian De Palma e Martin Scorsese, que renderam homenagem ao movimento em suas próprias obras. Os cineastas da Nouvelle Vague, a maioria acabaram indo trabalhar nos EUA, mas levaram consigo as suas formas de ver e filmar o cinema. Tanto que eles reuniam-se em cineclubes para discutir as obras americanas e assim terem base para a forma antagônica que iriam aplicar em seus próprios trabalhos.
Por fim, podemos dizer que os realizadores da Nouvelle Vague, eram chamados de os novos turcos, porque, entre outras coisas, eles geraram uma ruptura com o cinema totalmente de estúdio, que era o que imperava na França na década de 40. Incorporaram estilos e posturas da Pop Art ao teatro épico, textos de Balzac, Manet e Marx. Havia em seus argumentos, um questionamento novo, um erotismo pungente e até um romantismo tragicômico.
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E por fim, mas por fim mesmo, ficaram seus filmes, obras-primas como:
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Acossado (A bout de soufle, 1959) de Jean-Luc Godard
Nas garras do vício (Le beau Serge, 1959) de Claude Chabrol
Os Incompreendidos (Les quatre-cents coups, 1959) de François Truffaut
Hiroshima, mon amour (Hiroshima, mon amour, 1959) de Alain Resnais
Amor livre (L’eau à la bouche, 1959) de Jacques Domiol-Valcroze
Amores fracassados (Le bel âge, 1959) de Pierre Kast
Os primos (Les cousins, 1959) de Claude Chabrol
Os amantes (Les amants, 1959) de Louis Malle
Quem matou Leda? (A double tour, 1959) de Claude Chabrol
Atire no pianista (Tirez sur le pianiste, 1960) de François Truffaut
O Pequeno soldado (Le petit soldat, 1960) de Jean-Luc Godard
O Ano passado em Marienbad (L’année dernière a Marienbad, 1961) de Alain Resnais
Cleo de 5 às 7 (idem, 1961), de Agnès Varda; Lola (Lola, 1960) de Jacques Demy
Viver a vida (Vivre la vie, 1962) de Jean-Luc Godard
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E outras obras deste importante movimento do cinema francês e mundial.
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Pra finalizar, quero dizer que Nouvelle Vague numa tradução livre seria "A Nova Onda".
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Vamos embarcar na onda?